E já que ainda estamos nos anos 80, uma vez que o culto à década do bom gosto questionável não dá sinais de esgotamento, queria falar um pouco sobre os anos 90, que muito provavelmente será o próximo revival .
Naturalmente demora um certo tempo desde o fim de uma década e até a codificação da mesma para consumo, a subliminaridade do tempo e as referencias misturadas , aquelas que ajudam a formar uma identidade totalmente nova de acordo com a utilização destes signos , se sedimentam gradativamente.
Percebam, se nos anos 80 muito se falava dos anos 60 ,no nosso próximo provável revival, os anos 90, o que estava na moda eram os anos 70. Do resgate Grunge às guerras, do levantamento de bandeiras ideológicas, comportamentais à liberdade sexual, do Techno às experimentações químicas, não mais lisérgicas como nos 70’s, porém com o mesmo intuito, servir de combustível para um tipo de manifestação musical e cultural tão inerente aos 90’s quanto os festivais no 70’s ,as Raves.
Assim como os festivais de Rock dos anos 70 tiveram seu pontapé inicial no fim dos anos 60, a origem das Raves data da segunda metade dos anos 80, oriundas da Inglaterra, no entanto seu modelo foi amplamente divulgado a partir do início dos 90's e forjou o comportamento que seria imitado nos resto do mundo pelas próximas duas décadas.
Não podemos esquecer que a década começou titubeante, e que no Brasil esse começo de década foi catastrófico, raiamos o primeiro dia da década com o primeiro presidente eleito democraticamente em quase 3 décadas, tudo bem que houve uma manipulação de mídia impensável nos dias atuais e ainda era muito recente o trauma com o cerceamento de liberdade dos anos de ditadura, mas o fato é que Collor foi eleito por um canal de TV , a Globo,e foi deposto da mesma forma, de forma espetaculosa, pela própria mídia que o outorgou poderes, apontado como co-responsável de um dos maiores esquemas de corrupção jamais visto no País, um escândalo que nos dias atuais pareceria café pequeno .
Da mesma maneira que essa mídia manipuladora nos entregou um presidente em forma de produto, nos empurrou goela (ou ouvidos) abaixo a fase mais deprimente da música Brasileira, repleta de duplas sertanejas , lambadas para consumo externo e muitas bandas Covers, quem viveu aquela época se recorda sem muita saudade da crise criativa que fez praticamente todo mundo que montava banda ser Cover de alguém.
O Primeiro rompimento, na minha recordação, foi político mesmo, com o espetáculo do Impeachment transmitido ao vivo. Com os cara pintadas , mais uma vez a Globo demonstrava seu poder quase onipresente de manipulação popular.
Logo após recordo de timidamente as bandas Brasileiras ressurgirem, criativas, misturando elementos de Brasilidade (como nos anos 70) com Rock, e saindo do eixo Rio-Sampa. Veio o Skank de Minas,Os Raimundo de Brasília,Chico Science e naçâo Zumbi de Recife, aliás , de Recife saiu o primeiro movimento, ou movimentação artística , surgida do país desde...os anos 70, o Mange Beat (Bit para alguns).
Tivemos também o renascimento em grande estilo de nosso cinema, que andava nausebundo de idéias e de recursos com o fim da Embrafilme, uma estatal que servia para enriquecer cineastas de poucos escrúpulos e fazer filmes de qualidade pra lá de duvidosa.
Carlota Joaquina, de Carla Carmuratti nos deu uma versão bem plausível de nossa História, sem Heróis, sem retórica refinada, apelando para o ridículo das situações, nos fazendo enxergar esse país torto sem maiores ficções, somos assim por que assim nos fizeram, encerrava por aí o devaneio de alguns com a imagem construída e divulgada em livros de história, Carlota Joaquina passou a ser, por excelência, nossa maior representação histórica.
Depois vieram Terra estrangeira, de Walter Salles, ousado por, ainda na década de 90 falar sobre a década de 90, sobre a era Collor especificamente, e sobre o êxodo dos Brasileiros desencantados com os rumos do País - aliás, não existe uma coisa mais anos 90 do que Brasileiro fugindo para o exterior-. O Filme também criou uma imagem icónica da década, Fernanda Torres tocando ao violão Vapor Barato, originalmente interpretada por Gal Costa em um dos Discos fundamentais dos anos 70, o ao vivo Fa-Tal-
Terra estrangeira era em preto e branco, o que ressaltava aquela angustia e a falta de horizontes inerentes ao período.
Depois o Quatrilho foi indicado ao Oscar, e O que é isso Companheiro também, e percebemos que tínhamos um cinema em Ascensão em mãos.
Nesse período música internacional também havia sofrido um golpe.
Se no começo da década predominavam os grupinhos baladeiros ,tipo Nelson, os Poseurs do rock tipo Skid Row e Guns’n’Roses e as cantoras de trinados irritantes como Whitney Houston e Mariah Carrey, o Grunge surgiu como um tapa no ouvido de todo mundo. Da emblemática capa de Nevermind do Nirvana ( O bebê sendo pescado pela nota de dollar) às camisas de flanela, usadas por centenas de Brasileiros no calor do verão de 1993, tudo parecia conspirar para uma vingança que nâo sequer era imaginada, o Rock indepente saiu com força do Underground. A Turma do grunge se dissipou em não mais que um verão, e aquela cena de Seatle perdeu força após o suicídio de Kurt Cobain, mas o impacto daquilo tudo para a música que seria produzida depois, para o bem e para o mal, foi inquestionável.
Neste período o cinema internacional também foi pródigo em reciclar idéias de décadas passadas e criar clássicos instântaneos, revelando cineastas geniais, como o tarantino de Caes de aluguel e, principalmente, Pulp Fiction, um marco da década, assim como Trainspotting, de Danny Boyle, que havia a pouco obtido relativo sucesso com o excelente Cova Rasa.
Então tudo ficou muito violento, caótico, a internet se tornou preponderante, surgiram remédios para um controle mais efiicaz da AIDS, Zappa morreu, Caio Fernando Abreu Também, eu cresci e arrumei um emprego e agora estou nesse blog puxando pela memória uma idéia icônica de uma Década injustiçada. Sim, os anos 90 podem não ter sido tão divertidos quanto os anos 80, mas que foram bem movimentados e interessantes, isso sem dúvida eles foram.
2 comentários:
11:29 AM
caraaaamba! quisera eu, ter uma memória histórica, musical, artística e politica de conjuntura tão fantástica!!!
Os noventa eram a "boa nova", que desde os setenta se aguardava, e que se pensava anteceder o dois mil, cheio de tecnologias impensáveis... eu por exemplo, em 79, achava que haveriam discos voadores pelas ruas no ano 2000. e por aí vai... huahuahaaa.
Incrível o seu texto, incrível mesmo! E pra terminar: Ainda bem que Frank Zappa deixou coisas gravadas e Caio Fernando Abreu deixou coisas escritas né não?? ainda bem...
6:42 PM
poxa cara!!! muito bom o teu blog!e muito legal a maneira como você fala sobre música. de um jeito sério, sem ficar chato.
gostei muito! Parabéns
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