Caetano e o Radiohead

 

Existe algo em Caetano Veloso que sempre me fez perdoar o suposto polemicista provocador que ele tanto se esforça para ser,  é o seu faro pelo novo, o fato de se manter antenado década após década, de não se deixar acomodar em um estilo específico.

A Parte que me incomoda é talvez seu mais legítimo componente Leonino: O excesso de verborragia e um  culto imenso a sí mesmo. Caetano já fez autobiografia, livros sobre ele mesmo e constantemente cita a sí próprio como alguém inovador e genial.

Claro, houve uma época, entre o fim dos anos 60 até o fim da segunda metade dos anos 70 que ele era alguém até um pouco mais do que isso, era também provocativo. Dentro de um contexto político e socialmente obscuro como fora a ditadura militar, ele conseguia se reinventar , lançar tendencia e ser musicalmente conteporâneo e  inventivo, tal qual um Bowie tupiniquim.

Ney Matogrosso, talvez o mais inquieto e provocativo artista de um período imediatamente posterior, não carregava o peso de uma prisão e um exílio, ainda que nos bastidores fosse perseguido com uma pressão tão forte ou pior.

Mas foi Caetano Veloso quem, após retornar de um período no exílio em Londres, onde construiu talvez a mais bela obra prima da saudade, o album Transa, retornou ao país com um verniz político, que o permitia emitir opiniões sobre os mais diversos assuntos, as vezes se saindo de forma brilhante, outras vezes, tecendo analogias ao nada e sobre o nada.

Todo esse prenuncio é somente para demonstar o quanto ainda Caetano tem o dom de me surpreender, as vezes até para o bem, como quando comentou em seu blog sobre a vinda do radiohead ao Brasil, no post SIFU de seu fantástico blog Obra em progresso:

“Adoro Radiohead. Thom Yorke canta muito e a banda é boníssima. Não creio que Milton se entusiasmasse com eles, mas há algo de Minas ali sim. Como sou baiano, muitas vezes prefiro até Arctic Monkeys, pela linhagem mais seca, que vem de Sex Pistols, Nirvana, Strokes - e o eterno disco dos Pixies na BBC. Radiohead é muito líquido. O som é muita água e o texto é muito obscuro, muito “não quero que você me entenda”. Mas é um grupo refinado e caprichado. Lindo de se ouvir. Acho que não vou ao show da Madonna, mas ao do Radiohead eu quero ir.”

Para alguém cuja obra é referencia para alternativos icônicos, como Beck, para não citar uma centena de bandas indies ou alternativas que não só conhecem como também reverenciam a obra de Caetano, sua visão sobre a cena musical atual é privilegiada sob o ponto de vista de alguém que deixou marcas na cultura popular Brasileira da mesma forma que contribuiu coma formação musical de bastante gente que inova e lança tendencias, exatamente como ele fazia a uns 30 anos atrás.

Os Poetas Elétricos (Entrevista com Carito)

scansione0003

O Filósofo Henri Bergson  definiu a duração de algo como:

“o tempo específico de tudo aquilo que existe e e não se dobra às injunções da finalidade nem segue rotas mecânicas, por ser espontaneidade pura ou impulso vital ,a duração só pode ser captada pela intuição , essa espécie de simpatia intelectual pela qual nos transportamos ao interior de um objeto para coincidir com aquilo que ele tem de único e, por conseguinte, de inexprimível.”

Ainda segundo Berson , o "caráter cinematográfico de nosso pensamento" capta e representa a evolução por uma sucessão de estados do ser que se desenvolve, e desconhece assim totalmente a verdadeira duração. Conversar com o Poeta , músico , performer (entre mil outras facetas) Carito, um dos fundadores da banda os Poetas Elétricos, ainda que por uma hora, torna a teoria de Bergson além de plausível de certa maneira, mágica.

Em uma hora dessa magia, onde o tempo e as referencias simplesmente deixam de existir para dar vazão ao relativismo espacial, onde convivem ao mesmo tempo elementos das últimas três decadas de música , períodos distintos e percepções se cruzam e se misturam tornando-se uma esfinge que não pede para ser decifrada

Carito participou de três momentos distintos da música Pop(tiguar ), mas sua cabeça é uma antena que capta as vibrações mais sutís emitidas por diferentes culturas em distintas partes do mundo, o tempo todo. Da banda Flúidos, espécie de representante natalense do pop rock nacional dos anos 80, que chegou a gravar um compacto ,uma espécie de single pré histórico, já sem a participação dele (por discordancia com os rumos que banda tomava) à criação do coletivo Modus Vivendi, banda clássica do Rock Natalense, cuja apresentação especial no MADA de 2003 trouxe ao largo da rua chile algumas centenas de orfãos que não se impotavam nem um pouco com as apresentações de Os detonautas ou Pitty, bandas clássicas do festival.

Após um período de desilusão com o que a cena musical no Brasil e no mundo se tornava nos anos 90, Carito optou pelo exílio, pelo auto exílio músical e pelo exílio pessoal com artista, foi tocar seu hotel na Ponta do mel (RN), onde permaneceu até que a fagulha artística, que nunca apaga, começasse a se tornar labareda e então um incêndio, incontrolável. Contatou seu ex parceiro da época do Modus, Edu Gomez que talvez por razões semelhantes, também vivia seu exíilio pessoal, e decidiram formar um Duo, batizado de: Os Poetas Elétricos, que posteriormente se tornou um Trio, verdadeiro Power Trio, com a icorporação da compositora e vocalista Michele Régis, em definição da banda, a terceira pessoa do plural.

As influências da banda são distintas, multifacetadas, a experiencia sonora única parte da iniciativa de não se deixar delimitar por rótulos, não se aprofundar nos clichês nem numa suposta contaporaneidade musical cada vez mais abstrata e indistinta.

Carito me recebeu em seu apartamento para uma conversa sobre os principais aspectos que envolvem o processo criativo da banda, desta entrevista , percebe-se que o que faz um artista verdadeiro, além do amor pela criação é a sensibilidade de se ter uma antena ligada em diversas épocas e períodos , ao mesmo tempo. Abaixo a trancrição da entrevista concedida gentilmente e com exclusividade à Toca:

Existe uma idéia equivocada que o cenário Rock no Nordeste se desenvolveu nos anos 90, após o surgimento do mangue beat, no entanto, para não ficar longe de Recife, em Natal, nos anos 80, havia uma cena bastante rica e diversificada, quais suas lembranças desse período?

São muitas lembranças. Na época eu já pensava em escrever um livro sobre esse tempo. Mas eu vivia de uma forma muito acelerada e só fui atentar para a importância desses registros depois. Do Fluidos, por exemplo, tenho pouco material, o que é realmente uma pena. Do Modus Vivendi já tenho mais coisas guardadas, e acredito que representam um importante testemunho de uma época muito particular da história do rock potiguar. Mas enfim... Entre uma coisa e outra, acabei (ainda) não escrevendo esse livro. Preciso fazer isso logo, pois a história é a história da nossa memória e a minha anda falhando muito, embora também ainda continue falando muito... rs... e esse “falhando” é reflexo da velha profaníssima trindade da época de sex, drugs & rock and roll! Carlos Henrique, vocalista do Alfândega, no início dos anos 90 começou a juntar material para escrever um livro, eu cheguei a ir em algumas reuniões na casa dele com muitos outros músicos de outras bandas da época. O Cabeça Errante Vlamir Cruz também quer fazer um registro – me convidou para fazermos um vídeo sobre essa cena dos anos 80 potiguar. E eu soube que Isaac (ex-Florbela Espanca e Sangue Blues, e atual Síntese Modular) também está fazendo um registro escrito, mais focado nos anos 90. Mas ainda não respondi sua pergunta. Justamente porque são tantas lembranças e tenho tanto a dizer sobre esse período que o que vem a minha mente agora não cabe em uma única resposta. O que posso adiantar é que era uma cena muito criativa, pioneira, romântica, espontânea, inventiva, forte, efervescente, e como você disse na pergunta: bastante rica e diversificada. Estilos diferentes, espaços usados ousados, e público comungando com as bandas uma hóstia consagrada no trabalho autoral, bem distante dessa ladainha de covers que se arrasta desde a segunda metade dos 90.
Quais são as principais influencias dos Poetas elétricos?

Somos três. E cada um tem suas influências próprias além das interseções, que na música vão além do rock, e em tudo vai além da música - porque também somos influenciados por cinema, conversas, livros, observações e vivências do cotidiano, etc. Eu posso falar mais das minhas, que por sinal são muitas e bem diversas. E talvez possa falar também um pouquinho das influências dos outros dois. Edu também transita muito bem no sentido diversidade – gosta de guitar-heroes (e de guitar-heroes diversos como Jimmy Page, David Gilmour, Steve Vai, Jeff Beck, Joe Satriani, Robert Fripp, etc.), tem influência do blues (o que o fez criar o Mad Dogs com CBI nos anos 90, e CBI por sua vez, antes do Mad Dogs, participava dos nossos projetos especiais, no Modus Vivendi, como convidado), tem uma experiência publicitária rica em criação de trilhas também refletida no trabalho dos Poetas, e tem um lado sempre aberto e antenado com o moderno, com o contemporâneo, além de ser um grande produtor e diretor musical. Edu, assim como eu, também gosta de “estranhalezas” (estranhas belezas - uma expressão de Arnaldo Antunes na época de Aguilar e Banda Performática) como Durutti Column, King Crimson... Na época do Modus Vivendi já gostávamos de bandas diferentes como Os Mulheres Negras e Fellini. Escutamos muitas coisas. Inclusive ruídos, pavões misteriosos... rs... Tudo pode nos interessar. Nessa semana estávamos ensaiando e Edu linkou a banda System of a Down com um novo arranjo que ele fez para uma poemúsica nossa, e de repente ele já estava falando de Massive Attack... Mas geralmente nossas influências não são refletidas de forma tão direta assim. Tudo se mistura, espontaneamente, intuitivamente, até tomarmos consciência do processo de criação e sistematizá-lo de uma forma laboratorial. Eu sou de um geração mais velha que Edu, e Michelle é de uma geração mais nova que Edu, e ela trouxe uma densidade mais pop, e também melancólica, gosta do Morcheeba, Camille, Bebel Gilberto... mas tem uma veia rocker forte, e um faro que sempre aponta para soluções modernas e de muito bom gosto. Além de ela ter trazido o olhar feminino, e a sensibilidade dela com certeza melhorou a nossa. Eu gosto de tudo isso que eles gostam e confesso que sou bem eclético em minhas influências. Não são poucas, então só para citar algumas: Led Zeppelin, Arrigo Barnabé, Khaled, Zé Ramalho, Alcatéia Maldita, Cabeças Errantes, Portishead, Radiohead, Air, Pink Floyd, Jorge Mautner, PJ Harvey, Rita Lee Jones, Arnaldo Baptista, Mutantes, Raul Seixas, Mercury Rev, Walter Franco, Death in Vegas, Iggy Pop, PIL, The Cure, Chico Buarque, Roxy Music, Paulinho da Viola, David Bowie, Pata Negra, Litfiba, adoro os discos antigos de Fagner (principalmente o Ave Noturna), Itamar Assumpção, etc., etc., etc... e de poesia gosto muito de Leminski, Chacal, Rimbaud, Lord Byron, Baudelaire, Jorge Fernandes, Manuel de Barros, Carlos Gurgel, Daniel Minchoni, Gustavo Luz, o cordelista Antônio Francisco, Ada Lima, a prosa poética de Mia Couto, Walt Whitman, John Fante e os beatniks, Sheyla de Azevedo, meu irmão Mário Ivo... tantas coisas mais... as vanguardas estéticas, o cinema de Antonioni, Win Wenders... a arquitetura de Gaudi... E entre tantas imagens de nós três juntos me vêm à mente duas emblemáticas: Os Poetas Elétricos passeando juntos de jeep numa madrugada à beira-mar, escutando Pepe DeLuxe, vendo o nascer do sol na praia de Malimbar... e nós três no apto de Edu e Michelle tomando vinho e dançando, assistindo a videoclipes de Ladytron e chorando com Anthony and The Johnsons e Sigur Ros... Por sinal, presentes de Marcelo Morais da Velvet Discos que sempre nos tem mostrado coisas muito interessantes. E ainda no meu caso específico, minha mãe escreve e sempre gostou de poesia, lembro da gente fazendo um cruzeiro de navio pelas ilhas gregas e ela recitando para mim Ismália de Alphonsus de Guimaraens e as Pombas de Raimundo Correa. Já meu pai acordava cantando com um vozeirão: Nelson Gonçalves & cia... Quando eu era criança, minha irmã me apresentou The Doors, Beatles, Wings... Era o som que eu usava como trilha sonora para tocar nos toca-fitas imaginários dos meus carrinhos de ferro Matchbox... E meu irmão mais velho consolidou em casa: Stones, Sweet, Slade, Kiss, Bob Dylan, Yes, Pink Floyd, Gil, Led, anos 70 na aveia no mingau do rock and roll... Nos anos 80 meu irmão mais novo Mário Ivo me influenciou com um outro universo como Echo and The Bunniman, The Sisters of Mercy, o filme Limite de Mario Peixoto, livros como Ausência de Peter Handke, uma viagem que fizemos com nossos pais a Machupichu... E vivi a cena dos anos 80 na prática, como consumidor e fazedor, de arte e boêmia – o Circo estava armado, voador, Rock in Rio, Beth Balanço, louras geladas, Lobão e Daniele Daumerie, a Pizzaria Guanabara, a Estação Botafogo, o Bar Gardenal... e aqui o Chernobyl, tudo explodiu de tanta vida, vôos na Ponta do Morcego, shows do Titãs e a gente tan-tans por aí vendo flores em você... Ira uma vez os anos 80! Tudo se usa, tudo se Cazuza... Modus Vivendi e aprendendo... E ter morado em Madrid pegando ainda a Movida Madrilleña também influencia... Tudo influencia... Na minha rua, o saudoso amigo, músico e poeta Délio Miranda tinha junto com os seus irmãos uma coleção de discos diversa e super-antenada, e na minha adolescência e pós eu ia lá todos os dias pedir LPs emprestados - Supertramp, John Anderson, Beto Guedes, Alceu Valença, Clodo, Clésio e Climério... Délio lia clássicos da literatura como Érico Veríssimo e fazia poesia e letra com dicionários de rimas, sinônimos e antônimos, etc. Também garimpei muita coisa em lojas alternativas na Natal de antes como a Aratarda e a Whiplash: Joelho de Porco, Casa das Máquinas, Peso, O Terço, Marco Antônio Araújo, etc. Ah! Fiz teatro com Marcos Bulhões por um bom tempo e isso também me influenciou bastante. Enfim, nasci em 1964 e acho que desde então tenho escutado música... cercado de poesia, réplicas de quadros impressionistas na sala, me impressionando com o mundo... Agora uma coisa também importante de ser colocada aqui: nos orgulhamos muito de todas as referências citadas acima, que por sinal, vão mais além do que falei e não param por aqui, pois há sempre uma renovação. Mas, por outro lado, como diz Alceu, “O artista não precisa ser igual a ninguém”. Por isso, nOs Poetas Elétricos procuramos um caminho próprio, ou impróprio... rs... Buscamos nossa onda, com ou sem salva-vidas...
Música e poesia são complementares, quase uma transmutação, para uma banda que carrega no nome a bandeira da poesia, o que incomoda mais
no cenário atual, a mediocridade das letras, a poesia sonora ou o caráter mercadológico que a música assumiu.

A baixaria se instalou. Músicas de duplo sentido existem há muito tempo. Mas diante do que rola hoje, Genival Lacerda, por exemplo, é um clássico - era mais criativo e não apelava tanto. O popular antigamente era mais rico, com certeza. Não é saudosismo. É um fato. É só comparar o que o povão escutava, que rolava nas AMs nos anos setenta, e hoje. Antes: Novos Baianos, Benito de Paula, Martinho da Vila, Ronnie Von, Beth Carvalho, Luís Gonzaga, Roberto Leal, Sidney Magal, Wando, Agepê, Gilliard, Carlos Alexandre, Bartô Galeno, Genival Lacerda, Raul Seixas, etc... E hoje: Cavaleiros do Forró, Aviões do Forró, Calcinha Preta, Cheiro de Menina, Cabaço Molhado, Garota Safada, Bonde do Tigrão, É O Tchan, Cláudia Leite, Banda Calipso, etc. Músicas antigas como Bilu Tetéia ou Faro-Fá-Fá são inocentes principalmente diante de “pérolas” de hoje as quais prefiro nem comentar. E quando eu penso que torci o nariz para Os Mamonas Assassinas... Ah! Que pena que os meninos tenham ido embora tão cedo... eram lúdicos, criativos e divertidos. E se comparados com o que se produz hoje em dia em termos de música de massa... Enfim, hoje a coisa piorou muito, muito mesmo! Antes se certas músicas eram de gosto duvidoso ou pobres, hoje são de mau gosto mesmo, que produzem danças que erotizam crianças, banalizam e vulgarizam tudo, promovem a falta de educação... como diz minha amiga Clotilde Tavares: o reino dos sem noção!

Quanto à Poesia Sonora, não sei como ela pode incomodar. Não acredito que muita gente escute Cid Campos e outros do gênero. Eu particularmente acho muito interessante.

Quanto ao caráter mercadológico da música, acho que isso sempre existiu. Infelizmente tomou proporções onde cada vez mais se experimenta menos, tem menos lugar para a diversidade. Não há lugar para nada que saia do esquema vigente, que não tenha o lucro certo antes mesmo de existir. Existe uma homegenezação musical em fórmulas que a maioria das bandas tenta seguir para acontecer. Parece que a música em si vem depois, ou nem vem. Em busca de um lugar ao sol parece que tá todo mundo fora de si, e não importa se o sol é artificial. Claro que estou generalizando, há sempre universos paralelos, distintos, diversos, principalmente no meio independente, onde há muitos hetero-gênios. Hoje há muita informação além do que está na superfície. É só dar uma mergulhada na net, no myspace, nos blogs... O seu, por exemplo, é riquíssimo em informação musical.

Natal, em uma análise  superficial, saiu da estaca zero em termos de produção musical para um celeiro reconhecido nacionalmente, através do MADA e do festival (e selo) Do Sol. Algumas das melhores bandas potiguares, no entanto, jamais chegaram a ver a luz de seus trabalhos registrados, quais são as grandes lacunas que você gostaria de ter visto um registro?

Alcatéia Maldita, O Gato Lúdico, Cabeças Errantes, Délio Miranda, Mário Henrique Araújo, o General quando era Lee antes de ser Junkie, Florbela Espanca... e as bandas que eu participei: Fluidos (na minha fase, pois depois que eu saí a banda chegou a gravar um compacto no Rio de Janeiro) e Modus Vivendi. A Alcatéia e O Gato Lúdico pelo que sei não têm quase nada registrado na época, e as outras possuem fitas demo, uma ou outra participação em vinil ou cd demo, mas nenhum registro mais completo e profissional. Em tempo: a Alcatéia continua na ativa, fazendo shows com 99% de músicas novas, então é uma banda antológica, que está se reinventando e pode preencher essa lacuna com trabalhos de ontem, hoje e sempre.
Hoje em dia a divulgação de uma banda se faz por uma diversidade absurda de canais, sendo os festivais e a internet os principais catalisadores
desse fenômeno, você acredita que uma banda conseguiria se manter sem a presença em um dos dois canais?

A Alcatéia Maldita pelo que sei nem tem site nem myspace, nem participa muito de festivais. E se mantêm viva desde os anos 70. Mas claro que para atingir um número de pessoas mais significativo as bandas utilizam essas ferramentas modernas que por sinal são muito boas e deram mais visibilidade aos vários Brasis fora do eixo Rio-São Paulo.

Download é pirataria ou divulgação?

Até pouco tempo eu não sabia nem o que era um blog, entre outras coisas da net... Eu estava exalando exílios... Um amigo fez meu orkut e ainda hoje não me sinto à vontade e quase não vou lá. Brinco dizendo que eu só conhecia o okurt cobain. Fizemos nosso myspace faz poucos meses... Tem dias que eu ando tão download, sem divulgação, e achando a vida uma grande pirataria...

sobre o incidente com o show do Teatro mágico, a postura imatura e ignorante do produtor da banda é  comum no meio musical atual ou você acredita que se tratou de um caso isolado?

Pela minha experiência foi um caso isolado, mas também tenho me apresentando pouco. Não sou um bom termômetro para analisar isso no meio musical atual. E ele nem era o produtor do Teatro Mágico, e sim um técnico que estava atuando como um dublê de produtor. Inclusive, nesse caso, fomos apoiados pelo produtor local, Daniel Campos, que estava organizando o evento. Nos anos 80 fui tocar em Açu com o Fluidos, e nos 80 e 90 - em Mossoró, Caicó, João Pessoa e Campina Grande com o Modus Vivendi. Apesar de ter havido falhas em uma ou outra produção, todos sempre nos trataram muito bem, e em alguns casos bem demais. Em Campina Grande, por exemplo, nos trataram como se fôssemos os Rolling Stones e a produção era realmente muito arrojada. Na fase atual, com Os Poetas Elétricos, já tocamos no Mada, no Festival DoSol, entre outros eventos como o Cosern Musical, participamos do Dia da Poesia, e também sempre fomos muito bem tratados. Hoje em dia geralmente é tudo muito mais organizado e profissional, com uma boa estrutura de palco, som e luz, e com pessoas educadas e capacitadas.

Quem são os Poetas elétricos?

Um cio que está no trio em busca de outros elétricos, ou um trio correndo o risco atrás do cio elétrico, que gosta de música eleCrônica, que vê poesia em tudo no mudo, e por isso muda, fala, grita, canta e se espanta...
O que podemos aguardar da banda para 2009?

É uma boa pergunta. Nem lançamos o segundo disco direito e já estamos pensando noutro, que jeito? Somos dependentes do exercício da criação. Mas acredito que vamos pensar mais em divulgar esse novo disco velho, tentando otimizar a sazonalidade dos shows, já que passamos quase três anos nesse projeto compondo, recompondo, gravando e regravando. O lance é que como não vivemos de música, nosso tempo é dividido com as coisas mortais do dia a dia, e precisamos nos esforçar para criar esse nosso universo artístico paralelo e torná-lo um pouco mais perpendicular. Esse esforço dói, pois tudo nos puxa para outro lado, onde há um entendimento sócio-econômico que dita e define ser absurdo ser romântico nos dias de hoje e tudo que você faz se mede pelo que você gera de dinheiro na sociedade, qualquer coisa tem que servir para alguma coisa, não é assim? Mas no não há sim, e é nesse vazio fértil que procuramos os valores invisíveis e continuar tendo mais subjetivos que objetivos, para que possamos fazer uma arte independente, para que ela possa vir só vindo, não servindo, não servil. 
Quando Deus dá asa Cobra?

Bote do entrevistador que usa meu próprio veneno, heim? Fiz essa brincadeira sem eira, só beira, do abismo, então asas pra que te quero, antídoto sempre há de pintar por aí, todo homem tem seu terço!

Crítica:

scansione0004

 

Estirado no estirâncio Ou o sol sem sombra de Dúvida- os Poetas Elétricos.

O Segundo trabalho dos poetas elétricos, primeiro como Trio, após a chegada de Michelle Régis, é um mosaico de paisagens sonoras , elaboradas, viscerais que as vezes remete ao duo francês Air (em “o lirismo a toa”, segunda faixa do album) as vezes evoca Ry coorder, passa pela poesia concreta e vaguadista da São Paulos dos anos 80 e caminha em direções inusitadas, celestiais, profundas.

A produção elaborada do album, a voz etérea de Michelle, as intervenções poéticas de Carito e as melodias ricas e repletas de minúcias, transformam a obra dos Poetas Elétricos na trilha sonora de uma vanguarda moderna que se recusa a estabelecer contato com a estética neo-hardcore que predomina em um mercado vazio de valores.

Estirado no Estirancio (ou sol sem sombra de dúvidas) é a trilha sonora de uma cidade que deixou de ser esquina abandonada, de um estado que se afirma moderno, de um outro estado, este, de espírito, que se firma provocativo, constestador, genial.